quinta-feira, 29 de junho de 2006

TV Digital no Brasil - Comentários 3

Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura

http://www.indecs.org.br/

O que as emissoras querem esconder

Gustavo Gindre (*)

Em numerosas reportagens de jornais e TVs temos lido que as emissoras de TV (Globo à frente) defendem a escolha do padrão japonês de modulação da TV digital (ISDB) porque este seria o único padrão que lhes permitiria fazer transmissão para recepção móvel usando a banda do espectro eletromagnético reservada para o UHF.

No caso do padrão europeu (DVB), por exemplo, a transmissão para recepção móvel teria que usar a banda reservada para a telefonia celular, o que incluiria as empresas de telefonia no núcleo-central da operação de TV.

Receosas desta concorrência, as emissoras, então, preferem a modulação japonesa.

Antes de prosseguir, algumas ressalvas:

>> O padrão de modulação brasileiro, desenvolvido pela PUC-RS, conhecido como SORCER, também permite a transmissão para recepção móvel. Portanto, mesmo aceitando o argumento da Globo e das demais emissoras, poderíamos adotar uma modulação com tecnologia brasileira.

>> Todos os padrões de modulação (japonês, europeu, norte-americano e brasileiro, além do chinês que está em desenvolvimento) permitem transmitir em SDTV, EDTV e HDTV. Ou seja, para esta questão específica, a escolha da modulação é indiferente.

>> Igualmente, todos os padrões permitem que se desenvolva uma séria de serviços interativos, como governo eletrônico, e-learning, e-bank, telemedicina etc. Novamente, nesta questão específica, a escolha da modulação é indiferente.

Modelo pago

Mas voltemos ao suposto motivo da preferência da modulação japonesa pelas emissoras de TV: a transmissão para recepção móvel.

Pois bem, agora ficamos sabendo que, desde março de 2005, a Finlândia possui uma operação-piloto de transmissão da TV digital para recepção móvel utilizando o padrão de modulação europeu conhecido como DVB-H e transmitindo justamente pela banda de UHF, que a Globo dizia ser uma exclusividade do padrão japonês.

Estão envolvidas na experiência o operador de rede de broadcast da Finlândia (Digita), a maior emissora de TV daquele país (MTVB), a maior rede de TV nórdica (Sanoma WSOY), a TV pública da Finlândia (YLE), as duas maiores teles do país (Elisa e Telia Sonera) e a Nokia.

O modelo de negócios escolhido envolve as teles e é pago. Mas poderia perfeitamente ser gratuito, já que utiliza a banda de UHF e se trata de serviço de radiodifusão. Neste caso, não há nenhuma necessidade tecnológica de envolver as teles ou de cobrar do usuário. Trata-se de uma opção do modelo de negócios finlandês e não de uma demanda tecnológica.

E, ainda, também ficamos sabendo que a Holanda já está construindo sua rede para transmitir em DVB-H igualmente usando a banda de UHF.

Jogo nos gabinetes

Antes de prosseguir, nova ressalva. Vejam bem que este artigo não procura defender a adoção brasileira do DVB. Muito pelo contrário, continuo achando que devemos adotar a tecnologia nacional do SORCER.

Dito isso, cabe perguntar: se definitivamente não é verdade o que as emissoras disseram que somente o ISDB permitiria a transmissão para recepção móvel através da banda do espectro eletromagnético reservada para a radiodifusão, se é verdade que o DVB e o brasileiro SORCER igualmente permitem este mesmo tipo de transmissão, se também é verdade que qualquer padrão garante a alta definição (defendida pelas emissoras) e a introdução de serviços interativos, então por que, afinal de contas, as emissoras de TV estão defendendo a adoção do ISDB japonês?

Qual é a parte dessa história que nós não sabemos e que ainda não veio a público?

O que é que nós só saberemos depois, quando o jogo já tiver sido decidido nos gabinetes de Brasília, sem a participação da sociedade civil?

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(*) Jornalista, mestre em Comunicação, coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e integrante do Coletivo Intervozes

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