quinta-feira, 29 de junho de 2006

TV Digital no Brasil - Comentários 5

Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura

http://www.indecs.org.br/

TV Digital - A desinformação e a pressa

por Carolina Ribeiro, Edison Lima e Gustavo Gindre*


Impressiona a quantidade de informações equivocadas que circulam pela mídia em relação à implantação da TV Digital no Brasil. Assusta também a quase inexistência de informações sobre o que foi desenvolvido no país. Fala-se bastante de uma briga “do quem dá mais” entre europeus e japoneses. Fala-se, geralmente em aspas atribuídas ao ministro das comunicações, que o Brasil tem muita pressa para a definição do modelo, pois se tudo não for resolvido agora perderemos uma oportunidade histórica. Qual? A de ver a Copa do Mundo em TV Digital ? Claro.

A primeira grande questão que merece esclarecimento é o argumento da pressa. O Brasil tem algumas opções para implementar um sistema complexo como a TV Digital: ou constrói algumas coisas e compra outras, ou compra um elefante e tenta adaptá-lo para que ele trabalhe como um cavalo. A proposta do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), que reuniu 80 grupos de pesquisa e recebeu um investimento de R$ 50 milhões do governo (muito pouco dinheiro se comparado à grande quantidade e qualidade dos resultados obtidos), era justamente a primeira. Construir parte do sistema e pegar algumas coisas prontas. A proposta que vem sendo defendida pelo Ministro das Comunicações é adotar o padrão japonês (ISDB) e talvez fazer adaptações para que ele funcione no Brasil.

Por que ninguém explica nada direito e não assume que o melhor padrão é o brasileiro?

Entre as tecnologias desenvolvidas por aqui, uma delas é justamente a modulação, que equivale ao que a mídia chama de “padrão”. O japonês (ISDB) e o europeu (DVB) já são bem conhecidos de nome, mas pouco explicados em relação às diferenças entre eles. Em 2000, o sistema japonês permitia a transmissão de sinais independentes para a TV e para receptores móveis (como o celular), enquanto o europeu era mais limitado. Isso levou a Associação Brasileira de Rádios e TVs (Abert) a usar o argumento da "recepção móvel" como mote para a defesa do ISDB.

A partir de 2004, com a introdução do DVB-H, essa diferença deixou de existir. Mas a retórica continuou, e agora embolaram a discussão, com as emissoras defendendo o ISDB porque isso manteria o canal na mão deles, e as empresas de telefonia defendendo o DVB porque isso daria a abertura para elas participarem desse mercado. Na verdade, ambos os argumentos são furados. Tanto o DVB quanto o ISDB permitem a transmissão de sinais para celulares e, se as teles vão ou não participar desse mercado, é uma coisa que depende da regulamentação, não da tecnologia.

Um ponto em que tanto o DVB quanto o ISDB deixam a desejar é que, nos testes realizados em São Paulo no ano 2000, nenhum dos dois conseguiu ser recebido em 100% dos pontos de teste – e eram pontos localizados em bairros próximos ao centro. Foi isso que levou o Brasil a pesquisar novas alternativas, com os trabalhos do Mackenzie (SP), INATEL (MG) e PUC (RS). Os dois primeiros trabalham com melhorias baseadas no sistemas existentes, enquanto que o último parte de uma abordagem radical – usa um equalizador baseado em inteligência artificial, coisa que não existe em nenhum dos sistemas atuais (ATSC, DVB, ISDB). Isso dá mais robustez, ou seja, permite levar mais informação, tanto para programas em alta definição quanto para ser recebido em veículos a 120 km/h .

A obsessão da Globo e do ministro Hélio Costa pelo padrão japonês é incompreensível. Se a questão é um sistema que permite levar alta definição para a TV e um programa para celulares ao mesmo tempo, com a maior qualidade possível, por que então não defendem o Sorcer, modulação desenvolvida pela PUC/RS, que é melhor, atende às demandas dela e é nacional, assim como o conteúdo global e a bandeira que eles tanto levantam na mídia? Fica claro que há muito mais por trás dessa preferência do que a lógica acima exposta.

Para o elefante virar cavalo

Além do Sorcer, outros componentes inovadores desenvolvidos pelos pesquisadores brasileiros devem sofrer com a adoção de um padrão estrangeiro goela abaixo. As pesquisas que desenvolveram o FlexTV (UFPB), um middleware brasileiro, tomaram como base o MHP (o middleware do padrão europeu – DVB), mas evoluíram consideravelmente, sendo elogiados inclusive por pesquisadores europeus. O middleware japonês é bem mais limitado.

A nação tupiniquim desenvolveu ainda o Maestro (PUC Rio), um mecanismo de sincronização de mídias para a reprodução de programas multimídia interativos, que não existe em lugar algum no mundo. Desenvolveu aplicativos como o TVgrama (UnB), que é um e-mail que não precisa de canal de retorno, importantíssimo para a imensa parcela da população que não tem linha telefônica. Desenvolveu aplicativos como o museu virtual (UFPR), que apresenta imagens em 3-D, que podem ser manipuladas pelo usuário. É um aplicativo muito útil para finalidades educativas, pra recriar ambientes em aulas de geografia, história, biologia. Há também aplicativos nas áreas de saúde (UFSC), governo eletrônico (UFC, BRISA), segurança da informação (Genius, CESAR, FITEC) e muitos outros.

Uma outra questão importante que diz respeito à tecnologia é como ela interfere no modelo de serviços. O modelo de serviços é a definição de como funcionará a nova televisão brasileira. Se ela trará novos canais, se oferecerá mobilidade, como será a interatividade, se haverá serviços de governo eletrônico e educação à distância, se terá uma alta definição que só será possível ver com televisores de 10 mil reais ou se trará uma programação com qualidade de imagem de DVD, mas acessível a todo mundo. Essas questões não dependem tanto da tecnologia, mas sim da forma como ela é combinada. Logo, é uma bobagem dizer que só japoneses poderão oferecer alta definição. Ou que só europeus oferecerão novos canais. A tecnologia, tanto a desenvolvida lá fora, quanto a desenvolvida aqui, no que toca a essas questões, pode fazer qualquer coisa. É verdade que algumas tecnologias são mais adequadas que outras para as finalidades desejadas. Não dá para rodar os aplicativos desenvolvidos no Brasil usando o middleware japonês, por exemplo. Mas há outro detalhe fundamental.

Para que possamos modelar a tecnologia às demandas da sociedade, é preciso ter pleno acesso a ela. No caso do SBTVD, toda a parte de software (e até um dos itens de hardware) foi feito em software livre. No caso dos outros sistemas, muitos componentes estão patenteados, até com uma patente da Microsoft. Isso mostra limitações para adequarmos ao que queremos – o que reforça a necessidade de termos mais tempo para definir modelo de serviços antes –, para o desenvolvimento futuro de acordo com as demandas que surgirem e ainda nos impõe o pagamento de royalties altíssimos, o que a longo prazo é um rombo no orçamento da União.

A mídia e o governo deveriam estar atentos a essas questões para esclarecer à população do que realmente se trata a definição, mas também para perceber que a pressa não é inimiga somente da perfeição, mas também da democracia, do bom-senso, do desenvolvimento nacional e do interesse público.

* Carolina Ribeiro é jornalista e integrante do Coletivo Intervozes. Gustavo Gindre é jornalista, mestre em Comunicação, coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e integrante do Coletivo Intervozes. Edison Lima é diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia-SP (Sintpq).

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Por que a decisão não deve ser tomada agora?


Gustavo Gindre*

Com o uso do padrão de modulação norte-americano, europeu, japonês e, principalmente, o brasileiro Sorcer é possível que a TV digital do Brasil aumente o número de programações disponíveis através do uso da figura do operador de rede (http://www.fazendomedia.com/gindre.htm), que ela transmita para recepção em movimento (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=374IPB002), que ela tenha alta definição e que tenha serviços interativos (tais como governo eletrônico, e-educação, tele-medicina, e-bank, etc.). Não dá para fazer tudo ao mesmo tempo. Teríamos que escolher algumas destas coisas. Mas, poderíamos fazer qualquer uma independente da modulação que venha a ser escolhida.

Então, por que as emissoras (Globo à frente) fazem tanta pressão para garantir a escolha do ISDB japonês? E por que este é um assunto tão sério para o futuro da democratização da comunicação no Brasil e não somente uma questão para engenheiros discutirem?

Porque, como sabe até o mais ingênuo de nossos compatriotas, este é um país onde fatos consumados podem ter mais força do que leis.

As emissoras querem permanecer donas na prática do espectro eletromagnético da televisão aberta e desejam evitar a adoção do operador de rede (http://www.fazendomedia.com/gindre.htm). Por isso, querem decidir o tema da TV digital sem que seja necessário discutir uma nova legislação para a área das comunicações. Ao contrário de países como Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e todos da União Européia, as emissoras querem que façamos esta transição com uma lei do distante ano de 1962, quando a própria televisão preto e branco ainda era uma novidade para boa parte da população brasileira.

Para lograrem seus objetivos, as emissoras vão encenar a famosa "política do fato consumado".

Caso se confirme o desejo das emissoras, tão logo o governo anuncie a escolha pelo padrão japonês, estas poderão exibir vantajosos acordos comerciais com empresas japonesas de eletrônicos e serão ainda beneficiadas por reduções nas tarifas alfandegárias.

Quando a antena para transmissão digital da Globo, em São Paulo, estiver pronta, teremos reportagem no Jornal Nacional sobre a chegada da modernidade e inauguração com a presença de diversos políticos, dos mais diferentes partidos. Na oportunidade, um dos Marinho fará discurso no Jornal Nacional explicando como a Globo pretende prestar este relevante serviço à nação.

Em alguns pontos públicos estratégicos, telas de alta definição mostrarão uma programação especialmente selecionada para o evento (de preferência a Copa do Mundo).

E a TV digital no Brasil terá sido inaugurada.

Depois, quando finalmente chegar o dia em que o Congresso Nacional se dispuser a debater a criação de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil, quem terá força política para aprovar que as emissoras tenham que se desfazer de seus investimentos nas torres de transmissão digitais para adotarem o sistema de um único operador de rede por região, a fim de segmentar o espectro para mais emissoras?

Uma vez encenado o espetáculo da chegada da TV digital no Brasil, as emissoras terão conseguido manter o atual sistema que lhes confere a propriedade de fato sobre o espectro eletromagnético reservado à TV. E, com isso, impedirão a sua democratização.

Por isso, as emissoras querem que a escolha do ISDB japonês ocorra logo. Por isso ela é tão importante. E justamente por isso devemos pedir um amplo debate público antes. Porque depois será muito mais difícil democratizar o espectro da TV.

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* Gustavo Gindre é jornalista (UFF), mestre em comunicação (UFRJ), coordenador geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (INDECS), membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro do Coletivo Intervozes.

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O que as emissoras querem esconder

Gustavo Gindre (*)

Em numerosas reportagens de jornais e TVs temos lido que as emissoras de TV (Globo à frente) defendem a escolha do padrão japonês de modulação da TV digital (ISDB) porque este seria o único padrão que lhes permitiria fazer transmissão para recepção móvel usando a banda do espectro eletromagnético reservada para o UHF.

No caso do padrão europeu (DVB), por exemplo, a transmissão para recepção móvel teria que usar a banda reservada para a telefonia celular, o que incluiria as empresas de telefonia no núcleo-central da operação de TV.

Receosas desta concorrência, as emissoras, então, preferem a modulação japonesa.

Antes de prosseguir, algumas ressalvas:

>> O padrão de modulação brasileiro, desenvolvido pela PUC-RS, conhecido como SORCER, também permite a transmissão para recepção móvel. Portanto, mesmo aceitando o argumento da Globo e das demais emissoras, poderíamos adotar uma modulação com tecnologia brasileira.

>> Todos os padrões de modulação (japonês, europeu, norte-americano e brasileiro, além do chinês que está em desenvolvimento) permitem transmitir em SDTV, EDTV e HDTV. Ou seja, para esta questão específica, a escolha da modulação é indiferente.

>> Igualmente, todos os padrões permitem que se desenvolva uma séria de serviços interativos, como governo eletrônico, e-learning, e-bank, telemedicina etc. Novamente, nesta questão específica, a escolha da modulação é indiferente.

Modelo pago

Mas voltemos ao suposto motivo da preferência da modulação japonesa pelas emissoras de TV: a transmissão para recepção móvel.

Pois bem, agora ficamos sabendo que, desde março de 2005, a Finlândia possui uma operação-piloto de transmissão da TV digital para recepção móvel utilizando o padrão de modulação europeu conhecido como DVB-H e transmitindo justamente pela banda de UHF, que a Globo dizia ser uma exclusividade do padrão japonês.

Estão envolvidas na experiência o operador de rede de broadcast da Finlândia (Digita), a maior emissora de TV daquele país (MTVB), a maior rede de TV nórdica (Sanoma WSOY), a TV pública da Finlândia (YLE), as duas maiores teles do país (Elisa e Telia Sonera) e a Nokia.

O modelo de negócios escolhido envolve as teles e é pago. Mas poderia perfeitamente ser gratuito, já que utiliza a banda de UHF e se trata de serviço de radiodifusão. Neste caso, não há nenhuma necessidade tecnológica de envolver as teles ou de cobrar do usuário. Trata-se de uma opção do modelo de negócios finlandês e não de uma demanda tecnológica.

E, ainda, também ficamos sabendo que a Holanda já está construindo sua rede para transmitir em DVB-H igualmente usando a banda de UHF.

Jogo nos gabinetes

Antes de prosseguir, nova ressalva. Vejam bem que este artigo não procura defender a adoção brasileira do DVB. Muito pelo contrário, continuo achando que devemos adotar a tecnologia nacional do SORCER.

Dito isso, cabe perguntar: se definitivamente não é verdade o que as emissoras disseram que somente o ISDB permitiria a transmissão para recepção móvel através da banda do espectro eletromagnético reservada para a radiodifusão, se é verdade que o DVB e o brasileiro SORCER igualmente permitem este mesmo tipo de transmissão, se também é verdade que qualquer padrão garante a alta definição (defendida pelas emissoras) e a introdução de serviços interativos, então por que, afinal de contas, as emissoras de TV estão defendendo a adoção do ISDB japonês?

Qual é a parte dessa história que nós não sabemos e que ainda não veio a público?

O que é que nós só saberemos depois, quando o jogo já tiver sido decidido nos gabinetes de Brasília, sem a participação da sociedade civil?

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(*) Jornalista, mestre em Comunicação, coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e integrante do Coletivo Intervozes

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Entenda porque as emissoras de TV querem o ISDB e o que isso vai representar na sua vida

Gustavo Gindre*

O noticiário da grande imprensa sobre a TV digital tem sido marcado pela disputa entre as emissoras de televisão e as operadoras de telecomunicações. A briga existe. Mas, o principal receio das emissoras de TV é outro e, por isso mesmo, tem sido evitado pelos principais jornais e TVs. Chama-se canal de 6 MHz. E você vai entender porque.

Ocorre que, no Brasil, cada canal de TV ocupa um espaço de 6 MHz no espectro eletromagnético. Ou seja, tal como em uma régua, cada canal ocupa seis unidades de MHz. Na TV analógica esse era o espaço necessário para se colocar uma única programação. Assim, quando uma emissora conseguia uma outorga de TV, ela obtinha junto este espaço, a fim de transmitir sua programação. É isso que chamamos de canais de televisão, tanto para o VHF quanto para o UHF.

Na TV digital, neste mesmo espaço, é possível colocar muito mais coisas. Especialmente se o Brasil optar pelo codec de vídeo chamado H 264 (MPEG 4) que permite uma compressão de imagem muito melhor e maior do que o seu antecessor, o MPEG 2. Por exemplo, caso seja usada a definição de imagem chamada standard (imagem igual a de um DVD, sem chuviscos ou fantasmas, com som surround), o mesmo espaço de 6 MHz que antes comportava apenas uma única programação de TV hoje suporta até quatro programações simultâneas e ainda sobra algum espaço para a transmissão de dados (típica dos serviços interativos).

Neste contexto é que surge a proposta de se criar no Brasil o chamado "operador de rede". As emissoras deixariam de transmitir cada uma sua própria programação, a partir de sua antena exclusiva. Elas simplesmente entregariam suas grades de programação para um operador de rede, que reuniria todas as grades de programação e transmitiria tudo junto a partir de uma única antena. Assim, as emissoras não precisariam investir na digitalização de suas torres de transmissão, bastando pagar uma mensalidade para o operador de rede. O que terminaria favorecendo as emissoras menores que dispõem de menos recursos. Ao mesmo tempo, poderia-se pensar em formas de subsídio cruzado, com o operador de rede sendo obrigado a transmitir, sem nada cobrar por isso, as programações das emissoras públicas e comunitárias.

(Claro que este operador de rede teria que ser fortemente regulado, para garantir que todas as emissoras fossem tratadas de forma isonômica e que ele não pudesse exercer nenhum tipo de controle e/ou censura em relação às grades de programação que serão transmitidas)

Mas, fundamentalmente, o operador de rede permite otimizar o espectro eletromagnético. Assim, ele poderia pegar quatro programações diferentes e colocá-las todas dentro de uma mesmo canal de 6 MHz que atualmente transporta apenas uma única programação. Seria uma espécie de reforma agrária do ar. Se uma emissora recebeu do Estado um espaço necessário para transportar a sua programação, mas agora neste mesmo espaço é possível colocar mais emissoras, é justo promover uma redistribuição do espectro eletromagnético, permitindo que mais emissoras passem a existir.

E é exatamente isso que as emissoras comerciais (Globo à frente) não querem.

Segmentação espectral

O projeto da Globo passa, em primeiro lugar, por evitar a adoção do operador de rede. Assim, as emissoras continuariam transmitindo de suas próprias antenas e cada uma permaneceria dona de seu canal de 6 MHz.

Neste canal (agora um imenso latifúndio), a Globo transmitiria três vezes a mesma programação, mas com definições de imagens diferentes (o que chamamos de "segmentação espectral"): 1) para aqueles que possuem TVs de alta definição ("HD ready", com telas não menores do que 42''); 2) para aqueles que continuam com suas TVs atuais, mas que compraram terminais de acesso (aquelas caixinhas iguais às das TVs pagas) a fim de receber o sinal digital; 3) para aqueles que assistem TV em movimento (telefones celulares, handhelds ou mesmo pequenas TVs colocadas em carros e ônibus).

Nada de novas emissoras com outras grades de programação. Apenas as mesmas emissoras atuais, com uma imagem muito melhor (para quem puder pagar pelo aparelho) ou assistindo no seu carro.

Mas, não é verdade o que a imprensa tem dito que outros padrões de modulação não permitem que se transmita para recepção em movimento (http://observatorio.ultimosegundo
.ig.com.br/artigos.asp?cod=374IPB002) ou em alta definição. Seria possível fazer o que a Globo quer usando o europeu DVB, por exemplo.

Então, por que a Globo tanto deseja o japonês ISDB?

Porque, com o DVB europeu seria impossível transmitir dentro do mesmo canal de 6 MHz estas três diferentes definições de imagem.

Com o DVB seria perfeitamente viável dividir o canal de 6 MHz em mais de uma programação, colocando outras emissoras, mas o DVB não faz a segmentação espectral. Dentro de um mesmo canal, vai tudo em alta definição ou em definição standard ou em low definition (para recepção em movimento). Caso a Globo quisesse transmitir a sua programação com os três diferentes tipos de definição, ela teria que adotar o operador de rede. Assim, o operador colocaria em alguns canais as programações das emissoras que transmitissem em alta definição, em outros canais as programações em standard e em outros canais as programações para recepção em movimento.

A Globo continuaria mantendo a estratégia comercial de transmitir a sua programação com três diferentes definições de imagem. Mas, e esse é o ponto central de nossa história, seria obrigada a abrir mão do controle do espectro eletromagnético em troca da adoção do operador de rede. E ficaria sujeita ao discurso a favor de uma redistribuição deste espectro para que o operador de rede pudesse colocar no mesmo espaço mais emissoras de TV.

No fundo, a briga é pela propriedade e pelo controle sobre o uso de um dos bens públicos mais escassos das sociedades contemporâneas: o espectro eletromagnético. E não tem nada que ver com receber ou não a imagem em celulares.

SORCER

O mais cruel de toda essa história, contudo, é saber que mesmo que concordássemos com os planos da Globo, seria possível desenvolver a mesma estratégia comercial usando um outro padrão de modulação, o brasileiro SORCER, desenvolvido pela equipe da PUC-RS, que também permite o uso da segmentação espectral.

Então, por que a Globo prefere desenvolver a sua estratégia de controle do espectro eletromagnético usando uma tecnologia importada, que implicaria, em tese, no pagamento de royalties?

A Globo foi dona, durante muitos anos, da subsidiária brasileira da japonesa NEC. Ao mesmo tempo, possui forte relação comercial com outra japonesa, a Sony. No site da revista Produção Profissional (http://www.editorialbolina.com
/br/pp/artigos.php?tipo=artigo&id=150&canal=0) podemos ler uma entrevista com o Diretor de Tecnologia da Globo, Fernando Bittencourt, onde este afirma que a Sony já chegou a desenvolver um equipamento de VT especialmente para atender as demandas da Globo.

E aqui podemos juntar outra parte desse quebra-cabeça.

Enquanto a imprensa noticia a disputa por uma fábrica de semicondutores, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) publicou no Diário Oficial da União, do dia 25 de fevereiro, decisão de reduzir de 16% para 2% a alíquota do Imposto de Importação sobre três tipos de equipamentos utilizados por emissoras de televisão. Foram incluídos na lista de bens de informática e telecomunicações, na condição de ex-tarifários, aparelhos de mixagem e processamento de sinais de áudio digital, mesas de computação de sinais de vídeo e monitores de forma de onda, que medem a qualidade do sinal de televisão. Também foi renovada a redução, para 2%, da alíquota do Imposto de Importação para monitores de vídeo profissional para estúdios de TV, utilizados em ilha de edição ou unidades móveis das emissoras. A redução ficará em vigor até 31 de dezembro de 2007.

Assim, além de garantir o seu controle sobre o espectro eletromagnético, evitando que novas emissoras entrem no ar, a escolha pelo ISDB permite à Globo realizar excelentes acordos comerciais com seus antigos parceiros, sob a benção do governo que reduz os impostos de importação.

Agora que sabemos o que as emissoras comerciais, especialmente a Globo, ganham com a adoção do ISDB, resta saber o que eu, você e o restante da população perdemos com isso.

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* Gustavo Gindre é jornalista (UFF), mestre em comunicação (UFRJ), coordenador geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (INDECS), membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro do Coletivo Intervozes.

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Carta aberta à sociedade brasileira

DECISÃO SOBRE A TV DIGITAL:

GOVERNO PRÓXIMO DE ERRO HISTÓRICO

Em virtude das notícias veiculadas pela imprensa, que afirmam estar o governo federal pronto para anunciar o padrão tecnológico a ser adotado pelo Brasil, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital vem a público expor à sociedade brasileira as seguintes questões:


1. Se concretizado, o anúncio da decisão a favor da adoção do padrão de modulação japonês (ISDB), no apagar das luzes do primeiro mandato do presidente Lula e em plena Copa do Mundo, significa a morte do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), cuja proposta inicial baseava-se em princípios como a democratização das comunicações, a promoção da diversidade cultural, a inclusão social, o desenvolvimento da ciência e indústria nacionais (conforme o Decreto Presidencial 4.901) e implicou no investimento de R$ 50 milhões na formação de 22 consórcios de universidades brasileiras, envolvendo 1.500 pesquisadores. Ao optar pelo ISDB, o governo despreza o acúmulo social que sustentou sua eleição e submete-se de maneira subserviente aos interesses dos principais radiodifusores do país, especialmente aos das Organizações Globo. Se levar adiante o anúncio pelo ISDB, o governo brasileiro, infelizmente – e à semelhança dos anteriores –, seguirá tratando a comunicação exclusivamente como uma moeda de troca política.


2. Apesar dos insistentes apelos para que a decisão fosse tomada a partir do diálogo com os diversos segmentos da sociedade, o governo mantém uma postura pouco democrática, privilegiando a interlocução com os representantes das emissoras comerciais de televisão e negando-se a abrir espaço semelhante às organizações sociais. À tal postura soma-se a completa falta de transparência na condução do processo decisório que ainda hoje deixa a sociedade brasileira à mercê de boatos de corredor. Chegamos ao cúmulo de nem mesmo ter acesso aos relatórios produzidos no interior do SBTVD, que ainda não foram tornados públicos. Reafirmamos a certeza de que só um processo amplo, transparente e participativo, com consultas e audiências públicas, é capaz de garantir que a TV digital seja um instrumento de desenvolvimento democrático e inclusão social.


3. O Executivo ainda não apresentou qualquer justificativa plausível que aponte o ISDB, de fato, como a melhor opção para o Brasil. Este silêncio do governo, que abandonou as frustradas tentativas de emplacá-lo por supostas vantagens técnicas ou industriais, induz a uma única conclusão: a de que essas justificativas não são defensáveis publicamente, por atenderem exclusivamente a interesses privados. O país segue sem saber se existem parâmetros – sob o prisma do interesse público – baseando as decisões governamentais.


4. Não é possível que as pesquisas desenvolvidas no SBTVD, realizadas por 79 instituições de pesquisa, envolvendo mais de mil pesquisadores, seja tratado com tal descaso. A adoção do ISDB-T descarta logo de início as três alternativas de modulação aqui desenvolvidas. A anunciada intenção de que "as pesquisas brasileiras serão incorporadas em um segundo momento" oculta o fato de que existe incompatibilidade técnica no protocolo de comunicação da camada de transporte, inviabilizando, de fato, qualquer incorporação das inovações brasileiras em algum ponto do futuro.


5. Ao anunciar a decisão, o governo perde a oportunidade de promover a necessária atualização do marco regulatório do campo das comunicações, para modernizar a legislação cuja base data de 1962 e garantir o cumprimento dos princípios constitucionais não-regulamentados, como a vedação ao monopólio e a instituição de um sistema público de comunicações. Mesmo que centrada na tecnologia, uma decisão governamental que não seja acompanhada de mudanças mínimas no marco regulatório vai contrariar a legislação vigente e certamente será questionada na Justiça. Os fatos consumados gerados a partir do anúncio da decisão não podem ser tolerados pela sociedade brasileira.


6. A sociedade brasileira perde também a oportunidade de se tornar um grande produtor mundial de conteúdo audiovisual multimídia, a mercadoria por excelência da Era da Informação. Para que pudéssemos abrir milhares de oportunidades de trabalho nessa área, seria necessário democratizar o espectro, adotar tecnologias dominadas por nossos técnicos, baseadas em software livre, adotar padrões e mecanismos que possibilitem a criação e a reprodução desses conteúdos. Nada disso está sendo considerado.


Diante ao exposto, as organizações que assinam esta carta reafirmam a certeza de que a TV digital é uma oportunidade única para promover a diversidade cultural, fortalecer a democracia, desenvolver a ciência e tecnologia nacionais e incluir socialmente a imensa maioria da população, ainda desprovida de direitos humanos fundamentais.


Temos a convicção de que, ao anunciar uma decisão por uma tecnologia estrangeira, o governo estará cometendo um erro histórico, que não poderá ser revertido nas próximas décadas.

Brasília, 28 de junho de 2006

Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital

TV Digital no Brasil

Esse blog é sobre a era da informação. E hoje, não posso deixar passar a definição do padrão de TV digital para o Brasil. Nós utilizaremos o padrão ISDB criado e mantido no Japão. De fato é o padrão mais avançado tecnologicamente, mas não acredito que a escolha tenha sido boa. Foi um grande erro do governo criar uma nova ilha tecnologia no mundo.

Eu já tinha postado sobre isso, deixando claro que gostaria de que o padrão utilizado no Brasil fosse o padrão mais difundido no mundo todo. E hoje esse padrão é o europeu, escolhido por mais de 100 paises, como é possivel ver em:
http://www.dvb.org/graphics/internal/Adoption-Map_DVB-T.jpg

Eu estou vendo na midia um monte de mentiras em relação aos padrões Americano e Europeu, e principalmente em relação ao padrão criado no Brasil. Infelizmente os interesses economicos e politicos falaram mais alto do que simplesmente o que é melhor para os brasileiros.

Vou postar aqui vários textos com algumas verdades que não aparecem nas notícias e nos comunicados do governo, e espero que esclareça um pouco mais as pessoas sobre esse assunto.